Por que tenho que tecer amostras no tear para criar o tecido que desejo?

Por que tenho que tecer amostras?
Fonte: Handwoven

Quando iniciei na tecelagem (há mais de 30 anos) eu me recusei a tecer amostras. Considerava o processo de amostragem um desperdício de material, dinheiro e tempo — mas não demorei muito para descobrir que não tecer amostras era um desperdício e um prejuízo ainda maior!

Certa vez comprei novelos de lã texturizada. Eram novelos recém lançados. Todo mundo estava tricotando blusas com lãs encaroçadas e eu resolvi usar o mesmo tipo de fio, só que no tear. Teci um cachecol. Ficou lindo!

Porém, depois de lavado meu cachecol encolheu tanto que mais parecia uma gravata. Neste dia aprendi lições valiosas:

  • nunca suponha que todos os fios se comportam da mesma maneira;
  • compre sempre fio a mais;
  • teça amostras para evitar surpresas desagradáveis.

Existem duas formas de tecer amostras.

A primeira é adicionar comprimento extra ao seu urdume para que você possa tecer de 15 a 25 centímetros para testar ajuste, batida, cores, tensão do urdume, etc.

Esta forma de tecer amostras poderá atender a quase todos os tipos de projetos de tecelagem. Mas… e se você não for capaz de realizar uma amostra satisfatória nesses 15 a 25 centímetros? E se você precisar tecer uma nova amostra? E se essa nova amostra ainda não ficar de seu agrado? Vai fazer o quê?

Viu!? As perguntas acima nos deixam com algumas opções:

  • Mudar todo o projeto e tecer uma peça diferente daquela que foi planejada (mais larga, mais estreita, mais curta, mais densa, etc.);
  • Adicionar ou tirar fios de urdume. Porém, se o projeto original envolvia a tecelagem de padronagem, seguindo um gráfico, as complicações aumentam. As repetições de padrões podem realmente complicar a adição ou subtração de fios de urdume;
  • Ignorar o problema encontrado (e não resolvido) durante o processo de amostragem. Francamente não sei se eu conseguiria dar continuidade a uma tecelagem que apresentou problemas. E se for uma peça feita sob encomenda? Como o cliente vai reagir?
  • Outra opção é usar todo o urdume que já está preso no tear para tecer amostras. Neste caso haverá material para testar, refazer o teste, inventar… brincar…

Já passei por situação parecida com a descrita acima e optei pela última alternativa. Se acontecer o mesmo com você, recomendo fortemente que você escolha a mesma alternativa que eu: use o urdume que já está no tear para tecer amostras.

No meu caso, quando decidi usar o urdume que já estava preso no tear, e ele não era tão pequeno assim, pude fazer testes inclusive de cores de fios de trama; pude testar variações nas pedaladas do tear e reinventar o padrão do gráfico que escolhi.

Foi um aprendizado sem igual e ainda hoje me beneficio do que aprendi com aquela experiência.

Depois disso passei a colocar urdumes mais curtos em meu tear, para especificamente tecer amostras. Essas amostras servem para testar a estrutura da trama, a proporção do desenho (quando envolve gráfico), o encolhimento e o acabamento do tecido final e, no final, tenho uma linda referência para projetos futuros.

Tecer amostras e usá-las para projetos futuros

Tecer amostras e tê-las como referência, só será possível se você tiver o cuidado de fazer as anotações necessárias:

  • marca do fio usado no urdume;
  • se o projeto envolveu gráfico, qual é o gráfico (coloque uma cópia);
  • se você fez alterações na execução de gráfico;
  • densidade do pente usado;
  • marca do fio de trama;
  • se usou um ou mais fios juntos na trama;
  • etc, etc, etc.

Resumindo: anote TUDO. Absolutamente tudo o que você fez e/ou alterou quando teceu as amostras.

Como tecer amostras?

 

Por que tenho que tecer amostras?
Fonte: Handwoven

Até aqui vimos a importância, ou o porquê de se tecer amostras. Agora vamos ver um pouquinho “como” tecer amostras.

Vamos ver mais detalhadamente o que devemos explorar quando tecemos amostras em nossos teares.

Estrutura de trama

Quando paro para tecer amostras, tenho como objetivo testar, na prática, o projeto que idealizei. Verifico se as cores são agradáveis aos olhos; se o fio escolhido para fio de trama combina com o fio escolhido para o urdume; se meu projeto é para tear de pedal, testo também o gráfico da padronagem escolhida (tamanho de desenho; quantas vezes o desenho se repete na largura do trabalho; etc.).

Muitas estruturas, como sarjas, “overshot”, “monk’s belt” e “huck lace”, usam flutuações de trama para criar padrões. A amostragem me permite testar a estabilidade do tecido, a distribuição da flutuação e o comprimento da flutuação para essas estruturas.

Uma flutuação de trama mais longa vai ficar flácida dependendo do fio. Alguns fios não têm estrutura para serem usados assim. 

Por que tenho que tecer amostras?
Fonte: Google – Overshot

 

Por que tenho que tecer amostras?
Fonte: Google – Monk’s belt

 

Por que tenho que tecer amostras
Huck Lace – Fonte: Pinterest

Tecer amostras para definir fios, padrões, harmonia

O ajuste certo é fundamental para criar um tecido com toque e caimento apropriados. Em qualquer projeto, maior densidade, tanto de urdume como de trama, resultará em um tecido mais firme.

Os tecidos xadrez da foto abaixo mostram a diferença que a densidade faz nas características de um tecido e como ele pode ser melhor utilizado.

Por que tenho que tecer amostras?
Fonte: Handwoven

Essas amostras foram tecidas em pentes diferentes. O tamanho da amostra muda drasticamente, e o toque do tecido também muda de um caimento macio (bom para um lenço) para uma amostra de toque rígido, quase como uma tela (ótimo para uma bolsa).

Outro aspecto para encontrar o equilíbrio certo diz respeito à forma como fibras e estruturas específicas interagem.

Considere o overshot, que tem um tecido de base de trama simples através do qual uma trama suplementar se move, com esses flutuadores de trama criando o padrão overshot. O assentamento da base em ponto tela deve ter espaço suficiente entre as interseções da urdidura e da trama para acomodar a trama do padrão, sem distorcer o tecido.

Neste caso costumo usar um fio macio, fofo, como trama suplementar no overshot. Esse fio macio tem ar entre as fibras o que dá a ele uma capacidade de ser “esmagado”. Assim, ele fica bem comprimido entre as interseções da urdidura e da trama no tecido base.

Um fio mais rijo, seco, firmemente fiado tem muito pouco espaço de ar interno e não se comprime tão facilmente, portanto, uma trama com este tipo de fio pode comprometer drasticamente o resultado final esperado.

Neste caso, a amostragem incluiria experimentar diferentes fibras para a trama do padrão em overshot e ajustar o fio de trama em ponto tela, conhecido por “tabby” até que a trama do padrão se harmonize com a trama de “tabby”.

Tecer amostras para verificar capacidade de absorção, retração e encolhimento

A absorção, a retração e o encolhimento trabalham juntos para tornar o comprimento final da sua tecelagem mais curto e estreito do que você poderia esperar.

Existem dois tipos de absorção da urdidura – uma é devido ao entrelaçamento da urdidura e da trama. Isso acontece a cada passada de fio de trama. A outra acontece quando você remove a tensão do tecido. Quando você retira o trabalho do tear e alivia a tensão do urdume.

Enquanto você está tecendo, os fios de urdume devem passar por cima e por baixo das passadas de fios de trama repetidas vezes. Todos esses pequenos movimentos – ou entrelaçamentos – consomem o comprimento da urdidura e resultam em um tecido mais curto do que o esperado.

Quando você retira o tecido acabado do tear, os fios da urdidura que estavam sob tensão enquanto você tecia encolhem de volta ao seu comprimento natural, resultando novamente em um comprimento de tecido mais curto.

“Draw-in” é o nome em inglês para o efeito do encolhimento na largura de uma urdidura. À medida que você tece – puxa os lados para dentro, estreitando o tecido.

Uma maneira de evitar o encolhimento da largura e fazer um “morro” a cada passada de fio de trama. Esse “morro” ou arco que formamos com o fio de trama dentro da abertura da cala proporciona uma folga para que o fio de trama se entrelace com os fios de urdume, sem prejudicar a largura do seu projeto.

Nesta hora também ganha pontos o tecelão que se dispões a tecer amostras. Durante a amostragem podemos verificar o comportamento dos fios e testar a altura do morro necessária para evitar o encolhimento lateral, ou draw-in.

O encolhimento ocorre quando lavamos a peça recém retirada do tear. A fibra, a estrutura do fio de urdume e a estrutura do fio de trama são afetados pela lavagem e nem sempre podemos determinar quanto um tecido encolherá. Quando cultivamos o hábito de tecer amostras fica mais fácil prever esse encolhimento.

Como um tecelão deve levar em conta a absorção, a retração e o encolhimento ao planejar uma urdidura?

Uma regra prática comum é adicionar 10% ao comprimento da urdidura para o encolhimento no comprimento e 10% à largura para retração. No entanto, a única maneira de garantir que seu projeto termine com a largura e o comprimento desejados é tecer uma amostra e medir o comprimento e a largura da amostra ainda presa no tear; medir novamente recém retirada do tear, antes dela ser lavada e medir novamente após a lavagem.

Divida as medidas tomadas no tear pelas medidas retiradas após a lavagem da peça. Isso lhe dirá a taxa de encolhimento. Se você multiplicar essa proporção pelas medidas finais desejadas, encontrará o comprimento e a largura da urdidura com a qual precisa começar. Se precisar de maiores explicações sobre este cálculos, consulte as obras listadas abaixo, em “Referências”.

Tecer amostras para testar a cor

Uma coisa é você observar (e gostar) da cor que o fio que você escolheu tem enquanto ele está no novelo, na meada ou no cone. Outra coisa bem diferente é como essa mesma cor se comporta em seu tear, quando tecidas com outras cores.

Algumas cores têm o poder de alterar nossa percepção visual quando estão próximas de outras. Isso significa que você também deve tecer amostras para se certificar da interação das cores que você escolheu para seu projeto de tecelagem.

Tecer com duas cores que ficam fabulosas juntas quando ainda estão em cones pode resultar em:

  • Uma cor totalmente nova – o que pode ser bom ou não;
  • Um desenho lindo, mas que desaparece; fica Apagado, sem graça – não tão bom; ou
  • Um produto final com aparência de sujo, ou de desbotado (feio, muito feio) – ruim.

Dependendo do número de fios de urdume agrupadas de cada cor e da estrutura da trama, as cores da mesma família de valores podem parecer se misturar à medida que se entrelaçam, criando uma bagunça visual. Uma dica é priorizar a escolha de cores complementares.

Por que tenho que tecer amostras
Circulo cromático – Fonte: Google

Para testar a interação das cores, eu tenho um truque: prendo no tear um urdume para tecer amostras e faço uma combinação de cores em uma metade e outra combinação de cores na outra metade.

Assim, com um urdume contendo duas (ou mais) combinações de cores, brinco com as cores da trama para ver como elas interagem entre si e com as cores do urdume.

Ter duas combinações em uma urdidura me dá uma amostra dois em um. Brincar com a estrutura de trama ao mesmo tempo significa uma amostra de três por um. Se adicionarmos os ajustes de configuração do tear, de gráficos, de espessura de fios e densidade, será infinitamente satisfatório. Isso é eficiente!

Tão importante quanto observar tudo o que foi dito até aqui é anotar. Isso mesmo: a-no-tar. Faça anotações de tudo, e etiquetas e pendure-as nas amostras. Ou anote tudo o que você observou ao tecer as amostras em fichas, em cadernos… Você escolhe. O que não pode acontecer é você deixar de anotar o que observou enquanto tecia uma amostra.

Faça anotações antes e depois de lavar suas amostras. Aos poucos você vai construindo sua biblioteca e poderá usá-la como referência quando pensar em novos projetos.

A melhor parte da amostragem é que não existem respostas erradas, apenas descobertas a serem feitas – e essas descobertas podem render tesouros e, ao mesmo tempo, prevenir desastres.

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Será uma honra dividir conhecimento sobre tecelagem manual com você.

O artigo que você acabou de ler foi adaptado do original “The Whys and Hows of Sampling” de Deb Essen. 


Referências: 

  • ESSEN, Deb. “A Tale of Two Yarns.” Handwoven, March/April 2018, 18–19.
  • JACKSON, Sarah. “String Theory: Sampling for Success.” Easy Weaving with Little Looms, Summer 2022, 18–21.